sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O “desporto” nacional

Talvez que o mais popular “desporto” em Portugal, pelo menos um dos mais assiduamente praticados durante todos os dias da semana por cada um dos seus participantes, pese embora não traga qualquer benefício aparente para a saúde dos seus intervenientes, seja o do arremesso de beatas para o chão no espaço público. É confrangedor ver a quantidade desses restos cilíndricos, pardos e brancos, a fumegar ou já extintos, dispostos indiscriminadamente no meio dos nossos passeios, jardins, ruas, etc., qual descomunal cinzeiro público a céu aberto. O despautério das pessoas que praticam este vulgar “desporto”, desprovidas de qualquer dever de asseio, principalmente em locais que não são de sua exclusiva pertença, numa gritante falta de urbanidade para com os seus concidadãos, é revoltante. Recentemente começaram a surgir nas nossas cidades uns cestos de lixo municipais com um topo superior achatado para que os pseudo “atletas”, até numa perspectiva de sintonização de movimentos, crucial em qualquer desporto que se preze, pudessem, primeiro, apagar os seus cigarros e, segundo, deitá-los para o interior do habitáculo. Por bizarro que seja as pessoas, na sua maioria, nem se dão ao trabalho de cumprir a última das tarefas previstas deixando as priscas ao abandono em cima dos cestos à espera que o vento as atire para o chão. Sintomático! Talvez que o simples exercício de as colocar dentro dos caixotes demande uma coordenação motora demasiada complexa para os seus neurónios.



Também não deixa de ser confrangedor ver pessoas, condutores e penduras, mesmo em dias gélidos e chuvosos, abrirem as janelas dos seus magníficos automóveis e a procederem exactamente da mesma forma que os transeuntes, ou seja, a atirarem os restos dos cigarros para a rua, como se no interior dessas máquinas não existissem cinzeiros, dispositivos cuja função única é precisamente a de guardar esses detritos. Andam os fabricantes de automóveis preocupados com estilo e design de interiores e depois concebem um mini dispositivo que não serve rigorosamente para nada para este tipo de incivilizada gente. É que despejar posteriormente um cinzeiro de um carro para dentro de um caixote de lixo deve dar muito trabalho… E como se educa esta mentalidade desviada das gentes que se consideram europeias mas que não passam de criaturas pós medievais? Não bastam campanhas de sensibilização, que também são importantes, principalmente se não se enfatizar em exclusivo o problema dos fogos nas matas, é também preciso ter coragem política para se introduzirem pesadas multas, que sejam efectivamente aplicadas pelas autoridades a quem polui assim as nossas cidades. Uma outra medida radical, mas talvez a única verdadeiramente eficaz, seja a de se proibir definitivamente o tabaco em todos os espaços públicos sem excepção. Se a educação familiar não condiciona as pessoas no sentido da mais elementar civilidade então só a lei da cacetada poderá dar alguns resultados convincentes.


fotos: migalha, lda

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Old Goa

Old Goa é hoje em dia uma pequena vila que não transparece a grandiosidade de outros tempos. Antes da chegada dos portugueses, que a conquistaram no início do século XVI, a cidade tinha já a sua importância pois era a segunda cidade do rico sultanato de Bijapur. Situada na província de Goa, Índia, nas margens do rio Mandovi, a cerca de dez quilómetros de Panaji, a actual capital da província, Old Goa atingiu o seu esplendor no início do século XVII.


Várias igrejas, mosteiros e conventos de diferentes ordens religiosas, a maior parte dos quais construídos por portugueses, alguns de dimensões inesperadas, foram erigidos ao longo dos séculos XVI e XVII, estando agora uns em mau estado de conservação e outros completamente destruídos. Convém referir que os primeiros religiosos a chegar a este sítio foram os franciscanos, pelo que é obrigatória uma visita ao Convento de São Francisco de Assis, um dos edifícios mais interessantes e mais bem preservados de Old Goa. 


Uma das figuras mais ilustres daquela província é São Francisco Xavier, santo padroeiro de Goa, que tem associada uma curiosa história, ou milagre, relacionada com a sua morte. Dois meses após ter falecido na China, em 1552, os restos mortais do santo foram transladados para Malaca e, estranhamente, chegaram a esta cidade em perfeito estado de conservação, sem qualquer tipo aparente de decomposição. Quatro anos mais tarde, já em Goa, o cadáver foi minuciosamente observado pelo médico do vice-rei que constatou que este não tinha sido embalsamado e que, espante-se, ainda mantinha intactos os órgãos internos. Diz-se ainda que nesse exame o clínico pediu a dois jesuítas para introduzirem os dedos em dois estranhos furos que o corpo apresentava. Quando os retiraram foi com estupefacção que viram os dedos cobertos de sangue fresco. Os seus restos mortais, depois de várias profanações ao longo dos séculos, repousam agora devidamente protegidos na basílica do Bom Jesus em Old Goa.


Muitas das construções têm o acesso condicionado pois a exuberante vegetação invadiu-as, tomou posse delas. Essa invasão proporciona, num dia de sol, como aquele em que a visito, jogos de luz e sombra que tornam o lugar absolutamente mágico. Passear ao longo da cerrada vegetação, ladeado pelas enormes pedras provenientes das ruínas das construções centenárias faz-nos nostalgicamente reflectir em mundos que já não existem, em pessoas que por ali viveram com todas as suas tristezas e alegrias.


O acesso a Old Goa é muito fácil pois há diariamente vários autocarros públicos que a ligam a Panaji. Uma outra opção, aliás bem mais divertida e versátil, consiste em alugar uma motorizada e fazer o rápido trajecto por estradas manhosas entre as duas povoações. Nesta última opção um dos cuidados a se ter é estar permanentemente atento ao movimento das vacas, ali sagradas, que volta e meia se põem a descansar no meio da estrada, de preferência logo após uma curva de fraca visibilidade. Não é raro verem-se turistas a conduzir estas motas com vários curativos no corpo… De qualquer forma, com ou sem vacas, uma visita a Old Goa não se pode perder. Nem que seja pelos feitos dos nossos antepassados, mais ou menos aventureiros, que nos legaram aqui um excelente exemplo, “ilha ilustríssima de Goa” segundo letras de Camões, que nos incutem um sentimento de grandeza, de orgulho por aquilo que outrora conquistámos.


Não posso terminar, pois isso não seria justo, sem fazer uma alusão à extrema simpatia deste povo goês que só por si justificaria amplamente a viagem.  



fotos: migalha, lda

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Commune by the Great Wall

Commune by the Great Wall, http://www.commune.com.cn/, é mais do que um simples hotel perdido nas montanhas de Shuiguan, Badaling, a uns 90 quilómetros a norte de Beijing, ao lado de um dos troços mais famosos, e visitados, da muralha da China, construído na dinastia Ming.


Aproveitando a abertura da China à livre iniciativa privada, o casal Zhang Xin e Pan Shiyi, Soho China Ltd., investiu nesta área adquirindo um espaço enorme numa zona densamente arborizada e que incorpora cerca de 600 metros privativos da muralha.


Onze casas e um club/SPA, desenhados por doze diferentes arquitectos asiáticos, escolhidos a dedo pela dinâmica Zhang Xin, nascida no início da revolução cultural de Mao e que após uma difícil adolescência em Hong Kong foi estudar para Cambridge e chegou a trabalhar em Wall Street, e Yung-Ho Chang, um dos mais interessantes arquitectos chineses, actualmente professor na universidade de Beijing, cuidadosamente inseridos numa paisagem densamente arborizada, que os integra e camufla, fazem do local um espaço de reflexão, de repouso absoluto.



Este projecto da Commune foi exibido na bienal de arquitectura de Veneza em 2002 que atribuiu um prémio a Zhang Xin pela sua “ousadia” em criar um espaço que, de acordo com as palavras da promotora, pretendia criar um museu vivo de arquitectura contemporânea asiática.



Todo o complexo é desenhado ao mais ínfimo pormenor. As ruas, a sinalética, a iluminação, a integração das construções na paisagem, os jardins, o design de equipamento contemporâneo, quase todo autoria de famosos designers ocidentais, e, claro está, a inegável qualidade dos projectos de arquitectura. Para além disso, o serviço é muito simpático e cordial, prestável, ou resumindo numa só palavra, excelente. O espaço dos pequenos-almoços, rematado por uma grande esplanada em cima da vegetação, fica numa encosta virada para a muralha da china e a vista, acreditem, é soberba.


Um dos passeios que é obrigatório fazer-se é a subida, por um íngreme caminho, estreito e escorregadio, até ao troço da muralha que pertence ao hotel. Contrariamente ao que acontece quando se visita a muralha perto de Beijing esta secção, que é privada, não tem magotes de turistas a interferir com o ambiente. A vista desta zona é soberba, a calma profunda e o dia passa como se não existisse mais nada para além da contemplação dos quilómetros e quilómetros daquele engenhoso aglomerado de pedras. Há que levar uma lancheira, que inclui acepipes diversos, champanhe e respectivas taças, fornecida pelo hotel, para se usufruir do dia na sua plenitude. Só por este passeio vale a pena vir aqui a este cantinho perdido na imensidão da China.        



fotos: migalha, lda

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Villa Adriana, Roma

A pouco mais de trinta quilómetros da capital italiana, Roma, perto da pequena vila de Tivoli, encontramos a magnífica Villa Adriana. Palacete erigido pelo Imperador Adriano, 76-138, ficou concluído no ano de 134 d.C. É um vasto conjunto de palácios, jardins, bibliotecas, teatros, galerias, banhos, espaços desportivos, etc. Os palácios e galerias estavam naqueles tempos repletos de obras de arte, muitas das quais repousam agora em museus italianos, no Vaticano e em Inglaterra.


Não foi sem polémica que Adriano, parente afastado de Trajano, ascendeu a imperador. E quando o conseguiu os seus primeiros dias de reinado foram vingativos, pese embora tenha passado à história como alguém justo e moderado. Ao longo da sua vida foi mais um diplomata do que um conquistador, um verdadeiro globe trotter, um arquitecto e construtor de cidades e monumentos em várias províncias do império, executados não apenas sob as suas ordens mas também por si frequentemente inspeccionados.


O espaço onde a Villa foi erigida, a não ser pela constante horda de turistas, é de uma calma impressionante. Os elegantes pórticos a circundarem pequenos lagos, o sibilar da exuberante vegetação, os pavimentos em pedra, o jogo de luz entre interiores e exteriores, tudo isso transmite-nos uma sensação de paz, de bem-estar, de alheamento completo em relação ao pragmático mundo e aos omnipresentes horários do nosso quotidiano. As estátuas realistas, as colunatas, as fontes, tudo isso nos dá uma ideia do espírito de alguém que sempre amou as artes.


O melhor retrato que temos dele talvez seja aquele que nos foi oferecido por Marguerite Yourcenar, no seu memorável Mémoires d´Hadrien. Num exercício literário ímpar a autora efabula acerca do como seria o diário deste Imperador esteta, com todas as suas possíveis reflexões político/filosóficas/amorosas e o seu atribulado quotidiano. Numa das passagens em que refere a Villa pode ler-se:



“La Villa était assez terminée pour que j´y pusse faire transporter mes collections, mes instruments de musique, les quelques milliers de livres achetés un peu partou au cours de mês voyages. J´y donnai une série de fêtes où tout était composé avec soin, le menu dês repas et la liste assez restreinte de mes hôtes. Je tenais à ce que tout s´accordât à la beauté paisible de cês jardins et de cês salles; que les fruits fussent aussi exquis que les concerts, et l´ordonnance des services aussi nette que la ciselure des plats d´argent.”


Penso que não são precisas mais palavras. Para quem não quer ir de carro próprio pode bem utilizar transportes públicos ou, em alternativa mais aburguesada mas menos interessante, comprar uma visita guiada de duas ou três horas a partir de Roma (normalmente com um pacote que inclui a sensaborona Villa d´Este). Seja como for não perca este tesouro histórico.

   

   
fotos: migalha, lda