terça-feira, 16 de agosto de 2011

Oía e Firá, Santorini

Entre meados do séc. XV e finais do seguinte, antes de Cristo, não há ainda consenso em relação à data correcta, uma tremenda erupção vulcânica pulverizou a cúpula do vulcão da ilha de Thera, como era então conhecida Santorini, pertencente a um arquipélago vulcânico situado no mar Egeu a cerca de 200km de distância de Atenas. Essa brutal explosão dos gases que se formaram por debaixo da lava originou uma profunda cratera que foi prontamente invadida pela água do mar alterando assim toda a configuração da ilha, que hoje em dia tem a forma de uma ferradura. Pensa-se que essa derrocada de milhares de toneladas de rocha e lava teve como consequência a formação de um tsunami gigantesco que contribuiu para a extinção da civilização Minóica em Creta. 


A melhor maneira, a mais espectacular, de se chegar a essa ilha é, sem dúvida, de barco. A primeira impressão que temos quando nos aproximamos do porto, Athinios, ao depararmos com aquelas enormes e íngremes paredes com várias centenas de metros de altura esculpidas na vertical, coroadas por pequenas construções geométricas brancas, algumas das quais parecem vacilar irremediavelmente para o abismo, que mergulham numa miríade de tons rosas, amarelos, ocres e pretos na água densa e azul do mar Egeu, é de assombro.


No extremo norte da ilha deparamos com Oía, uma pequena vila construída no topo da falésia da cratera, Caldera, cujas habitações, em alguns casos, são esculpidas no interior da rocha. As ruas são muito estreitas, quase labirínticas, repletas de escadas, e desembocam em solarengos terraços brancos que por aí proliferam. Como antiga colónia de pescadores possui um pequeno porto, Ammoudi, onde, para quem tem pernas para descer, e depois subir, trezentos degraus bastante altos, se pode dar um mergulho em águas límpidas e calmas e aproveitar alguns dos bares que aí existem. 



Um dos encantos de Oía são as muitas igrejas brancas de cúpulas azuis que por aí se dissimulam, encurraladas no meio da urbe de casas de cores tipicamente mediterrânicas. Mas Oía é famosa, para além da sua culinária, pelo pôr-do-sol que atrai milhares de turistas ao fim da tarde para presenciarem o espectáculo, com o inevitável congestionamento de toda a zona.


Bem perto dali, a cidade de Firá, a zona comercial da ilha, o que no entanto não lhe diminui em nada o encanto, parece que se pendura e precipita vertiginosamente pela falésia abaixo. Amplas e apertadíssimas ruas rasgadas na rocha basáltica, entrecruzando-se em ângulos impossíveis, pejadas de lojas, bares, restaurantes, espaçosas esplanadas e muita animação. Possui ainda um pequeno mas interessante museu de arqueologia. 


Curioso, e eficaz, um dos meios de transporte da cidade, que aliás replica o modelo existente em Athinios para quem chega a Santorini e não quer pagar uma dispendiosa corrida de táxi, consiste na utilização de mulas e de burros para esse efeito. Estes são uma alternativa mais económica do que o teleférico que liga Firá ao seu porto, Skála, embora a íngreme descida com seiscentos degraus não seja tarefa fácil nem para os pobres animais de carga.     


É de Skála que partem muitas das excursões por barco que nos levam às ilhotas de Néa Kaméni, onde se localiza o centro do vulcão ainda activo, como aliás atesta o constante fumo sulfuroso que se liberta do subsolo, e de Paleá Kaméni. Antes de se chegar a esta última ilha é "obrigatório" saltar do barco para a água e nadar até uma zona de fontes quentes termais. Estes passeios marítimos são imprescindíveis.



Santorini está ainda associada à famosa Atlântida de Platão pois é um dos locais mais frequentemente apontados para a localização desse romântico mito. Mas Oía e Firá são reais e um dos legados que o povo grego nos presenteia, duas maravilhas construídas pelo ser humano que urge preservar, pese embora a forte instabilidade geológica, que se manifesta através de terramotos e de erupções vulcânicas, tenha provocado inúmeras catástrofes ao longo dos séculos. Mas ao que os gregos sempre responderam de forma corajosa e perseverante.



fotos: migalha, lda

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Independent People


Não consigo, nunca consegui aliás, nomear alguns livros como os mais importantes que li ao longo da minha vida. Há vários que de uma forma ou de outra me tocaram em diferentes etapas do meu crescimento mas são tantos e tão diversificados que não os consigo nem estratificar, categorizar, nem tão pouco perceber bem o quanto me influenciaram. Há no entanto alguns que ainda hoje, repetidamente, afloram à minha memória perante corriqueiros episódios do dia-a-dia. E este é um desses que está um sem número de vezes presente na minha cabeça, principalmente nestes tempos actuais de grande crise económica, social e de identidade de um povo como o nosso. Independent Peolple, Vintage Books, de 1934-35, do escritor islandês Halldór Laxness, Nobel da Literatura em 1955, é um clássico, um épico. Conta-nos a história do resiliente Bjartur de Summerhouses, pastor e poeta, da sua sacrificada família e da feroz luta dos pequenos proprietários islandeses, numa altura em que o pastoreio de ovelhas deixa de ser uma actividade minimamente rentável, contra as inúmeras dificuldades de um país pobre e constantemente sujeito às tremendas e omnipresentes “forças da natureza”. Dá-nos ainda um panorama político, económico e social, muitas vezes satirizado, as conversas entre os amigos de longa data são de uma fina ironia, dos finais do séc. XIX e início do seguinte naquela grande e agreste ilha. Após 18 anos de servidão na propriedade um grande latifundiário, que profundamente despreza, Bjartur decide comprar ao seu patrão um pequeno, e amaldiçoado, terreno de modo a se poder autonomizar e ser um homem livre, um homem independente. Nada o demoverá de ter sucesso nessa árdua tarefa, nem a constante intempérie nem as agruras da sua própria família. Num Inverno particularmente duro, numa altura de grande carência de alimentos para as suas ovelhas, animais absolutamente essenciais para a sobrevivência nos montes, Bjartur, por falta de pasto disponível, decide, contra a opinião de toda a sua família, matar a sua vaca, única fonte de leite disponível para os seus carenciados filhos:

“No power between heaven and earth shall make me betray my sheep for the sake of a cow. It took me eighteen years´ work to get my stock together. I worked twelve years more to pay off the land. My sheep have made me an independent man, and I will never bow to anyone. To have people say of me that I took the beggar´s road for hay in the spring is a disgrace I will never tolerate.”      

As inúmeras dificuldades porque passam aqueles pequenos proprietários, constantemente aliciados para tomarem posição nos conflitos políticos e económicos dos dirigentes comunitários, levam a que a luta pela sobrevivência, e pela dignidade humana, seja a principal força motora de Bjartur. É interessante perceber, ou aprender, que o maior desafogo na economia doméstica destas gentes se dá precisamente na altura da primeira guerra mundial em que o preço do peixe e da carne sobe exponencialmente, beneficiando assim os pescadores e criadores de gado. São muito curiosos, e sarcásticos, os comentários que o nosso herói, no meio de um grupo de pessoas, tece acerca dessa insana batalha:

“Huh, you´re the first I´ve ever heard say that there was any significance behind these wars of theirs nowadays. They´re just madman, pure and simple. It was another matter altogether in the old days, when your heroes sailed off perhaps to distant quarters of the globe to fight for a peerless woman, or anything else which they considered some sort of flower in their lives. But such is not the case nowadays. Nowadays they fight just from sheer stupidity and obstinacy. But, as I´ve said before, stupidity is all right as long as other people can turn it to account”      

Ao longo do desenrolar do romance conseguimos entender, e perdoar, toda a frieza, crueldade mesmo, de Bjartur e até sentir simpatia e admiração por este homem extremamente orgulhoso, corajoso e céptico em relação às “virtudes humanas”. Num diálogo com um dos seus filhos, quando este pretende emigrar para os Estados Unidos influenciado pelo irmão mais novo que há muito lá vivia, solução essa de vida pior do que a morte segundo as palavras de um seu conhecido de longa data, dá-lhe o seguinte conselho:

“It´s a useful habit never to believe more than half of what people tell you, and not to concern yourself with the rest. Rather keep your mind free and your path your own”

Mas este homem empedernido possuía uma brecha de humanidade quando se tratava da sua filha Asta Solillja, apesar de não ser o seu verdadeiro pai, a única pessoa por quem poderia sentir genuíno amor, embora isso só nos seja revelado no final. Só aí é que nós, os leitores, lhe reconhecemos finalmente alguma sensibilidade e ternura pelo ser humano, algo que ele sempre negou através dos seus actos. Nesta intensa narrativa Laxness vai buscar inspiração, e consistência, às intrincadas e densas sagas islandesas a à tradição da poesia oral daquele povo. Um livro tocante de uma força inesperada que não se pode deixar de ler. Um dos grandes clássicos do século passado. Bjartur é inesquecível, imortal. Independente.