sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Imundície

O português é conhecido, ou pelo menos temos isso como um dado adquirido, pela sua apurada higiene pessoal e aprumo dentro de portas, pelo menos quando comparado com alguns dos seus congéneres europeus. No entanto, assim que sai à rua transforma-se numa criatura poluidora sem qualquer respeito nem por si nem pelos outros. Basta ver como as pessoas, dos mais diversos estratos sócio-económicos, e independentemente da idade, atiram para o chão, qual gigantesco caixote de lixo indiferenciado, as beatas, os bilhetes de transportes públicos já utilizados, papéis de cariz publicitária ou religiosa que algum braço estendido, de um qualquer distribuidor de ilusões de rua, acabou de lhes pôr nas mãos, lenços de papel acabados de cumprir a sua tarefa, embalagens plásticas, ou até de vidro, “cuspidas” do interior dos automóveis, em plena cidade ou nas estradas, etc., etc., já para não falar das constantes expectorações, quais projecteis sempre à espera de encontrar na sua trajectória descendente uma incauta biqueira. Não admira então que, aparentemente, ninguém repare, e se revolte, contra a sujidade que as diferentes obras no espaço público, independentemente das suas dimensões, transmitem à envolvente onde estão inseridas e que, muitas vezes, prejudicam de uma forma directa os cidadãos. Sim, não basta aos intervenientes serem pouco organizados no interior das suas empreitadas como também parece ser condição sine qua non serem completamente indiferentes, por vezes até de uma forma irresponsável, aos inevitáveis constrangimentos causados nas áreas contíguas aos seus trabalhos. Nessas construções é norma a lama que se espraia caótica por todo o lado em épocas de chuva, a desorganização dos marcos identificadores que dificultam ou impedem a circulação nos passeios, mas quase nunca nas vias de circulação pois o trânsito automóvel é soberano, as pequenas máquinas móveis e carrinhas de caixa aberta estacionadas em cima dos passeios que barram a normal circulação dos peões, a falta de uniformidade nos taipais de protecção, quando os há, que degradam a paisagem urbana, e tudo isto com o olhar complacente das autoridades públicas que deveriam impor regras e fiscalizar este tipo de constrangimentos mas que quase nada fazem.  


O maior problema é a falta de cultura de exigência que os cidadãos, no geral, e as diferentes entidades públicas que supervisionam essas obras, no particular, possuem. Em relação a estas últimas, já que a questão nos primeiros é muito complexa e demorará algumas gerações até se conseguirem obter melhorias civilizacionais visíveis, a solução deveria passar pela implementação de códigos rígidos para adjudicação de obras que obrigassem os construtores a seguir determinados tipos de procedimentos que valorizassem não só a questão funcional como também a componente estética da envolvente das mesmas. Seria muito fácil colocar nos Cadernos de Encargos meia dúzia de normas simples, padronizadas, que reflectissem estas preocupações, sujeitas a coimas pesadas em caso de incumprimento, a serem deduzidas nos pagamentos parcelares, que as cidades ficariam logo com muito melhor aspecto e os cidadãos decerto agradeceriam. Aliás, um plano de limpeza diário exterior à obra e medidas de protecção eficazes dos peões, com especial atenção para os casos de pessoas com mobilidade reduzida, deveriam estar patentes nas cláusulas dos concursos com uma forte valorização na análise das propostas.


É muito desagradável uma pessoa deparar-se com a obstrução selvática de passeios em virtude quer dos excedentes quer do armazenamento de matérias-primas das obras, tipo pedra da calçada previamente levantada, terras de consolidação dos terrenos aos montículos mais ou menos aleatórios, areia e outros similares, que ficam aí quase como que abandonados, normalmente sem qualquer protecção especial, a atrapalhar os transeuntes. Essa situação, por vezes, mantém-se até muito tempo após se “terminarem” as empreitadas, o que dá um péssimo aspecto no que diz respeito ao asseio nas cidades. Enquanto não houver uma cultura de exigência generalizada em Portugal, em que os direitos e deveres dos cidadãos se situem num mesmo patamar, então não parece que haja solução para este tipo de situações. E para um país com grande potencial turístico, que tem aí uma razoável oportunidade de crescimento económico, digamos que essa falta de esmero não augura nada de positivo para o futuro colectivo do nosso povo.


fotos: migalha, lda

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