sexta-feira, 11 de março de 2011

Meridiano de Sangue


Cormac McCarthy é um dos meus escritores contemporâneos favoritos. Embora não seja um autor de leitura fácil, as suas exaustivas e barrocas descrições das paisagens envolventes chegam a ser exasperantes, a densidade e construção dos enredos são normalmente geniais. Meridiano de Sangue, Blood Meridian or the Evening Redness in the West, de 1985, cuja temática é de uma crueldade quase insuportável, um livro em que a barbárie é omnipresente, o “apocalipse por excelência”, segundo as palavras de Harold Bloom, talvez seja a sua mais importante obra até ao momento. E digo talvez pois a qualidade geral das suas narrativas é de tal modo elevada que me é difícil enquadrá-las numa escala de valores. Este inquietante livro que se inspira em acontecimentos históricos, decorridos em meados do séc. XIX, na fronteira entre o México e os EUA, descreve a violência perpetrada por um bando de facínoras, liderado pelo odioso capitão John Joel Glanton, contratado pelos mexicanos para matar e escalpelar índios Apache, e desenvolve-se à volta das suas duas principais personagens; o “rapaz”, baleado junto ao coração logo na segunda página, e o juiz Holden, que nos promete, e nunca saberemos se com razão, que nunca morrerá, sádico, violador de crianças, assassino, temido mas também endeusado pelos seus pares:

“O juiz olhou à sua volta. Sentado diante do fogo estava nu, à parte as ceroulas, e tinha as mãos apoiadas nos joelhos, de palmas para baixo. Os olhos eram frestas vazias. Entre os membros do bando, ninguém fazia a mais pequena ideia do que esta postura significava, e todavia, ali sentado, ele assemelhava-se tanto a um ícone que eles começaram a mostrar-se cautelosos e falavam entre si com ar circunspecto, como se não quisessem despertar uma criatura que fosse preferível deixar dormir.”  

O bando circula constantemente por essa fronteira texana, ao longo de agrestes regiões, à caça das suas futuras vítimas e, por onde passa, deixa invariavelmente uma indelével mancha de sangue e brutalidade. Mais tarde, e de acordo com a história real, grande parte do grupo, incluindo Glanton, será por sua vez dizimado num impiedoso acto de vingança dos índios Yuma, também aqui descrito, ou romanceado, por McCarthy. Desde já alerto que esta obra não é para pessoas impressionáveis pois algumas descrições dos massacres, muitos e variados, são bastante arrepiantes:

“… e um dos delawares emergiu do fumo com um bebé despido a baloiçar de cada punho e acocorou-se junto a um anel de pedras que delimitava um monturo e ergueu-os pelos calcanhares, primeiro um, depois o outro, e bateu-lhes com a cabeça contra as pedras, de modo que os miolos jorraram pela fontanela num vómito sanguinolento,…”

Em toda a narrativa os diálogos, rudes, são frugais e parcos e o autor dá-nos a conhecer o enredo através da constante acção, que vai muito para além da simples violência, do movimento e das pausas dos seus personagens, num bem demarcado jogo do claro e escuro, luz e trevas, que cativam o leitor da primeira à última página. Os monólogos do juiz, a ler com redobrada atenção, são absolutamente brilhantes. O diálogo final entre o “rapaz”, agora já homem, e o juiz, sempre sem idade aparente, quando se encontram casualmente muitos anos depois num bar em que se desenrola um bailarico é muito forte e premonitório do terrível desenlace final. O epílogo é enigmático e deixa uma qualquer porta aberta, para o quê não se sabe bem.

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