The Revolution Betrayed, de Leon Trotsky, escrito no seu conturbado exílio na Noruega em 1936, é um testemunho claro, conciso e muito bem estruturado que nos permite apreender os ideais “românticos” da revolução socialista na União Soviética e conhecer as convulsões sociais decorrentes desse movimento revolucionário. Também nos transmite as pouco animadoras perspectivas futuras do processo político em curso pois que, segundo ele, o país se encaminhava a passos largos para o ressurgimento do capitalismo, em virtude das repressoras atitudes da direcção do partido bolchevista, liderado por Stalin, e da reaccionária burocracia instituída. Curioso como o tempo lhe veio a dar razão… Na sua perspicaz e contundente crítica à nova burocracia soviética, que a desmobilização de milhões de combatentes do exército vermelho vai fazer engordar exponencialmente, enquanto classe omnipresente e dominante, Trotsky escreve:
In its intermediary and regulating function, its concern to maintain social ranks, and its exploitation of the state apparatus for personal goals, the Soviet bureaucracy is similar to every other bureaucracy, especially the fascist. But there are also vast differences. In no other regime, outside the Soviet, has a bureaucracy ever achieved such a degree of independence from the dominating class. In bourgeois society, the bureaucracy represents the interests of a possessing and educated class, which has at its disposal innumerable means of everyday control over its administration of affairs. The Soviet bureaucracy has risen above a class which is hardly emerging from destitution and darkness, and has no tradition of dominion or command. Whereas the fascists, when they find themselves in power, are united with the big bourgeoisie by bonds of common interest, friendship, marriage, etc., the Soviet bureaucracy takes on bourgeois customs without having beside it a national bourgeoisie. In this sense we cannot deny that it is something more than a bureaucracy. It is in the full sense of the word the sole privileged and commanding stratum in Soviet society.
Neste precioso documento que Trotsky nos legou, que é sem dúvida uma das mais importantes obras de ciência política sobre o período revolucionário soviético e a dinâmica da sua sociedade no início do século passado, ainda por cima escrita por um intelectual e dirigente de primeira linha daquela altura, são-nos apresentados tão diversos como bem escalpelizados temas acerca da guerra civil soviética, economia e planeamento central, colectivização e posteriores consequências, família, cultura, arte, política externa, etc. Também aqui é bem patente a preocupação de Trotstky, e Lenin, no sentido da implementação do movimento comunista numa perspectiva internacional, segundo os ensinamentos de Marx, mais propriamente como uma luta dos trabalhadores do centro da Europa, única maneira possível de se alcançarem os objectivos pretendidos, e não apenas como um movimento de cariz exclusivamente local, nacional, pensamento esse em clara contradição com aquilo que Stalin enunciará mais tarde; “socialism in one country”. De forma a que possamos entender melhor alguns dos conceitos por detrás dos seus pensamentos políticos o autor, aqui e ali, presenteia-nos com simples concepções de socialismo, este como “estádio mais baixo do comunismo” (Marx), que se construiria a partir de uma base de prosperidade social e económica sólida, e de comunismo, que nos levam a reflectir sobre a generosidade da filosofia do novo sistema:
Socialism, if it is worthy of the name, means human relations without greed, friendship without envy and intrigue, love without base calculation.
The material premise of communism should be so high a development of the economic powers of man that productive labour, having ceased to be a burden, will not require any goad, and the distribution of life’s goods, existing in continual abundance, will not demand – as it does not now well-off family or decent boarding-house – any control except that of education, habit and social opinion.
São bem humoradas as suas farpas dirigidas aos intelectuais e burgueses estrangeiros, amigos do novo poder bolchevista, os “turistas radicais”, sempre prontos a defender a nova sociedade soviética sem qualquer sentido crítico acerca dos abusos cometidos durante o processo revolucionário e do desastre que se avizinha, que aliás conhecemos bem pois perduraram até à queda desse regime totalitarista:
The “friends” of the Soviet Union have a professional habit of collecting impressions with closed eyes and cotton in their ears.
Trotsky questiona-se ainda como foi possível que dentro do partido comunista a facção com menos ideias e mais erros cometidos ao longo do percurso tenha conseguido alcançar um poder ilimitado em relação a todas as outras. Desmonta uma por uma todas as contradições da classe dirigente daquela época e é particularmente crítico com a juventude obediente e amorfa que engrossava as fileiras do partido e que servia apenas para alimentar a máquina burocrática. É suficientemente lúcido para fazer um mea culpa sobre o terrível processo de colectivização e de outros erros cometidos durante a revolução. Pese embora tudo por que passou, expulsão do partido comunista e posterior perseguição e deportação, este não é o livro de uma pessoa ressentida com os acontecimentos, para além de que nunca se vitimiza por todo o sofrimento que lhe foi imposto. Trotsky seria cobardemente assassinado em 1940 no México a mando da polícia secreta soviética.